CABOCLO BERNARDO

CABOCLO BERNARDO
Fonte: Crônicas do Espírito Santo - 1984

Autor: Rubem Braga


Parece que não tinha nenhum sangue europeu; era apenas um índio, com seu nome cristão de Bernardo José dos Santos. Era alto, de espáduas largas, a cara grande. Vejo numa gravura da época sua basta cabeleira negra, e um bigode ralo que lhe cai pelo canto da boca, no feitio mongol. A cara é enérgica e suave, e as sobrancelhas finas se unem no centro, sob uma ruga vertical na testa; suas extremidades descem, numa curva em que se lê obstinação.


O caboclo Bernardo está com 28 de idade no dia 7 de setembro de 1887. É nascido ali mesmo onde vive, no povoado de Regência Augusta, antiga Barra do Rio Doce – e como seu pai, o velho Manduca, conhece o rio, o mar, e a mata. Foi naquele 7 de setembro, à uma e quarenta da madrugada, sob um raivoso sudoeste e grande escuridão, que o cruzador Imperial Marinheiro, um dos mais novos barcos da Marinha de Guerra Brasileira (deslocamento, 726 toneladas; boca, 8 m 27; calado 3 m 40; máquina 150 cavalos; marcha horária 11 milhas; armamento, 7 canhões de 34 e 4 metralhadoras, com 142 homens a bordo), chocou-se contra o pontal sul da barra do rio Doce, a 120 metros da costa. Foi arriado um escaler com 12 homens; o mar arrebentou o escaler, mas 12 homens chegaram às 2 da madrugada à cabana do patrão-mor da barra para pedir socorro. No escuro, e sem nenhuma embarcação diante do mar furioso, os homens ficaram na praia enquanto o mar esfrangalhava o cruzador. Quando veio a luz do dia os náufragos estavam reunidos nas partes mais altas, ainda não submersas, do barco, e os tubarões rondavam entre as ondas encapeladas.


O caboclo Bernardo jogou-se ao mar tentando levar até o cruzador um cabo de espia. Luta contra as ondas, mas é jogado na praia. Tenta ainda uma vez, e volta novamente, depois de uma luta terrível contra a força das águas. Sua mãe, uma cabocla velha, pede-lhe para não insistir, mas ele se lança ainda ao mar. Parece que da primeira vez teria levado o cabo, excessivamente pesado, amarrado à cintura; de outra o amarrara à sua rede, com tremalhos de cortiça, ou a uma linha de pescar, que puxaria pelos dentes. O fato é que luta em vão contra as águas açoitadas pelo vento; e regressa à praia exausto. Os náufragos olham tudo aquilo com angústia. O caboclo Bernardo se desvencilha dos braços dos que querem detê-lo e entra no mar pela quarta vez. Nada com desespero em direção ao navio, mas não avança; pouco depois é jogado à areia. Levanta-se – e volta. Só então, pela quinta vez, consegue chegar até o navio com o cabo salvador. Forma-se um cabo de vai e vem, e os marinheiros saltam de bordo agarrados a ele para chegar em terra. Muitos o conseguem. Outros, enfraquecidos pelas horas de tormenta, não resistem e morrem. O caboclo Bernardo joga então ao mar a única embarcação que resta, uma pequena chalana. Pede dois marinheiros para ajudá-lo, e ligando essa chalana ao cabo leva os náufragos para terra, de dois a dois. De vez em quando a chalana vira; o caboclo Bernardo, com seus dois companheiros, cai na água para desvirar a embarcação e segurar os náufragos. Trabalham assim durante horas, até que o mar despedaça de uma vez a chalana. Havia ainda 13 homens a bordo, que afinal se salvaram em uma jangada improvisada, agarrando-se ao cabo. Graças ao brutal heroísmo do caboclo Bernardo foram salvos 128 homens em um total de 142.


Estas notas eu as extraio do livro do Sr. Norbertino Bahiense O Caboclo Bernardo e o Naufrágio do Imperial Marinheiro, que acaba de ser publicado em Vitória; e o que não está no livro me contou o velho Meireles, numa destas manhãs de chuva e sudoeste, ali mesmo na Barra, onde tudo assistiu. Deixo para outra crônica o resto da história desse caboclo Bernardo, tão rude e tão bom. (Fevereiro, 1949)

FESTA DE CABOCLO BERNARDO
Na primeira semana de junho, todos os anos, acontece no distrito de Regência a "Festa de Caboclo Bernardo". Em homenagem ao herói deslocam-se bandas de Congo de todo o estado do Espírito Santo até a pousada de Dona Mariquinha, onde a capelinha de Caboclo Bernardo foi construída.

Quem é morador de Linhares ou até mesmo conhece as festas tradicionais da cidade já sabe: junho é o mês de participar na Vila de Regência, da tradicional Festa do Caboclo Bernardo. A festa tem início no dia 3 de junho e se encerra no dia seis.

E uma das figuras mais importantes da história da Vila de Regência, Seu Miúdo, será relembrado de maneira muito especial durante os festejos. Aliada a festa, será realizado no dia 6, às 10h, no Museu Histórico de Regência, o lançamento do selo com a imagem de Seu Miúdo.



O evento é uma iniciativa da Prefeitura de Linhares por meio da Secretaria de Cultura. Pela primeira vez Linhares lança um selo respaldado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).



Quem foi Seu Miúdo:
Nome importante também em Regência e com imagem associada ao Caboclo Bernardo é o Sr. Elpídio Angelo de Macedo, popularmente conhecido como Seu Miúdo. Homem de muita sabedoria e conhecimento, Seu Miúdo nasceu em Colatina e foi para Regência porque ouvia muito falar do herói Caboclo Bernardo.



Chegando em Regência, Seu Miúdo se entristeceu com o que viu: um túmulo abandonado e sem nenhuma identificação. Após muito lutar para conseguir um túmulo digno de um herói, Seu Miúdo ficou conhecido como guardião do Túmulo de Caboclo Bernardo. Além disso, foi homenageado e condecorado como Cidadão Linharense.

Programação da festa

03/06: Quinta
- Programação religiosa de Corpus Christi
- Programação particular nos bares
04/06: Sexta
- 18h - Abertura das barracas
- 18h30 - Abertura da exposição da história da festa no museu
- 19h - Congo na casa de congo e na praça
- 22h - Banda Manguzá
- 00h - Trio Fogo na Coisa
05/06: Sábado
- 7h - Corrida rústica
- 9h - Torneio travinha
- 13h - Torneio de futebol
- 17h - entrega dos prêmios
- Auto de Caboclo Bernardo
- 20h30 - Apresentação Banda de Congo São Benedito de Regência - casa de congo e praça
- 23h - Banda Casaca
- 01h30 - Banda Forró Bond Legal
06/06: Domingo
- 08h - Chegada das bandas de congo na Dona Mariquinha
- 10h - Reunião dos mestres
- 10h - Lançamento do selo em homenagem a Seu Miúdo, no Museu Histórico.
- 13h - Cortejo das bandas pela Rua Principal até a Igreja CAtólica e casa do congo
- 14h - Apresentação das bandas na igreja
- 15h - Apresentação das bandas na praça/busto Caboclo Bernardo
- 18h - Encerramento